Enquanto o sul ainda sofre com intensas chuvas e alagamentos, o norte do país enfrenta seca cada vez mais severa. Até esta quarta-feira (27), o rio Amazonas já havia baixado 7,35 metros. Nos últimos 20 anos, a média de vazão foi de 4,38 metros. Em alguns tributários, como o lago e o rio Tefé, a água praticamente secou. Em outros pontos, o que resta está tão quente que peixes e mamíferos estão morrendo.
A medição do nível do rio Amazonas é realizada há décadas pelo Porto de Manaus, na região de confluência do Rio Negro com o Solimões. Ao longo dos últimos 15 dias, o rio tem baixado cerca de 30 cm diariamente. “A gente tem alguns dias até o final do mês. Com mais alguns dias a 30 cm por dia, a gente vai bater 8 metros de descida do rio no mesmo mês, o que é absurdamente alto”, diz o professor do Programa de Pós-graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior do Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA), Jansen Zuanon.
“O rio descer tanto e tão rápido coloca em xeque não só a biologia do sistema, mas também as pessoas, os sistemas sociais ao longo dos rios da amazônia”, diz ele.
Impactos múltiplos
Na região de Tefé, o lago de mesmo nome que serve de via de transporte e fonte de alimento para as populações ribeirinhas e extrativistas está praticamente seco.
“Tenho 30 anos e nunca tinha visto uma seca nesta proporção. A gente estava acostumado, no final de setembro, início de outubro, as águas do rio subirem, mas vemos hoje um verão mais intenso, uma seca mais intensa, e isso tem mudado toda a dinâmica das comunidades”, diz o extrativista Huéferson Falcão do Santos, morador de uma comunidade tradicional da Floresta Nacional de Tefé.
Segundo ele, além da falta de acesso ao centro urbano e comunidades maiores, onde os serviços de saúde, educação e supermercados estão situados, a seca também tem afetado os modos de vida das comunidades, que têm na pesca uma das principais fontes de alimentação.
“Uma viagem que durava 3 horas, agora dura o dia inteiro, isso arrastando a canoa na lama, tendo em vista que o lago secou. Estamos navegando praticamente em lama. A seca atinge a comunidade diretamente, porque estamos sem ter onde pescar. A pouca água que tem, está barrenta, lamacenta, quente e com falta de oxigênio”, explicou o extrativista. Na região, já foram registradas a morte de um peixe-boi, alguns botos e centenas de peixes.
Muitos quilômetros abaixo do rio Tefé, já no município de Manacapuru, o aumento da temperatura da água também já matou ao menos dois botos e centenas de peixes.
Pedido de socorro
Na região amazônica, um conjunto de fatores faz com que os rios naturalmente subam e desçam a cada ano em um determinado ritmo. Em anos de El Niño – fenômeno que chegou no país a partir do início do segundo semestre e deve se estender ao longo de todo próximo ano – os períodos de seca tendem a ser mais severos.
Mas somente o El Niño não explica a situação atual no norte do país, diz o professor do INPA Jansen Zuanon. Segundo ele, o aquecimento das águas dos oceanos Atlântico e Pacífico também tem contribuído. Elas são diretamente responsáveis por parte da precipitação sobre a Amazônia.
“O El Niño está ocorrendo simultaneamente ao aquecimento dos oceanos Pacífico e Atlântico tropical e isso está fazendo com que a seca seja especialmente forte. Olhando em retrospectiva, nos últimos 30 anos a gente teve 8 ou 9 dos maiores recordes de cheia e seca nos rios amazônicos, o que indica que essa tendência de eventos extremos tem se acentuado muito e muito rapidamente. O que a gente esperava de resultado de mudanças climáticas para 20, 30 anos já ocorrendo agora. É inegável que o padrão mudou”, explica.
Segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a estação de controle de Tefé registrou apenas 47,7 mm de chuva durante todo mês de setembro (até dia 27). A média histórica para o mês nesta região é de 115,7 mm de precipitação.
Diante deste quadro, na última semana, um grupo de cerca de 70 pesquisadores em meio ambiente, sociedade, recursos hídricos e mudanças climáticas enviou uma carta ao Legislativo do estado do Amazonas pedindo providências para prevenir e mitigar os iminentes impactos climáticos deste ano sobre as populações locais.
“Ressaltamos a real necessidade de afrontar o problema a partir de agora, através da mobilização de recursos financeiros, equipes técnicas e equipamentos para atender, especialmente, as populações rurais remotas da Amazônia (indígenas e não-indígenas), as quais estão sob maior risco de padecer de doenças, desnutrição e perdas em seus meios de vida”, diz a carta, endereçada à Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais Câmara dos Deputados.
Para Huéferson Falcão do Santos, a adoção de tais medidas é urgente. “Estamos na maior bacia hidrográfica do mundo e passando por uma escassez de água. Nós dependemos do rio para navegar, para sobreviver, para manter as relações sociais, mas estamos com tudo parado. Nosso principal lago secou”, diz.